sábado, 18 de julho de 2015

Autismo e TDAH

No dia 02 de abril é comemorado o dia mundial do Autismo, criado pela Organização das Nações Unidas para conscientização sobre o tema. A denominação atual de “transtorno do espectro autista”, sugerida pelo DSM-5 , está associada a déficits persistentes na comunicação social e interação social em vários contextos, incluindo déficits na reciprocidade social, comportamentos não-verbais de comunicação utilizados para a interação social e habilidades de desenvolvimento, manutenção e compreensão das relações. Além dos déficits de comunicação social, o diagnóstico de transtorno do espectro autista requer a presença padrões restritivos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades (American Psychiatric Association, 2013).

autismo

Os transtornos do espectro autista e o TDAH são transtornos do neurodesenvolvimento, com início precoce na infância. Embora os sintomas principais de diagnóstico não justifiquem uma sobreposição entre esses transtornos, altos índices de comorbidade entre eles tem sido reportados na literatura. Taxas de TDAH em indivíduos com autismo variam de 28 a 78% (de Bruin et al, 2007, Ronald et al, 2009). Também elevadas taxas de sintomas autistas tem sido observadas em indivíduos com TDAH. Por exemplo, em um estudo recente de crianças com TDAH, que excluía casos com a comorbidade com transtornos do espectro autista, 7% das crianças apresentavam altos níveis de sintomas autistas subclínicos, enquanto que outros 59% mostraram dificuldades modestas relacionadas a sintomas autistas (Mulligan et al, 2009). Anormalidades de atenção (excessivamente focada ou facilmente distraída) são comuns em indivíduos com transtorno do espectro autista, assim como a hiperatividade. Além disso, crianças com autismo e crianças com TDAH parecem ter problemas similares: ambos apresentam maior irritabilidade, raiva e problemas de comportamento do que crianças sem transtornos, déficits de função executiva, a velocidade lenta de processamento, disgrafia, dificuldade de aprendizagem na expressão escrita, e problemas de coordenação. Crianças com autismo e crianças com TDAH costumam ter atraso de linguagem precoce e problemas de sono (Mayes et al, 2012).
Apesar das similaridades, a pesquisa recente de Mayes e coloboradores (2012) mostra que o TDAH e os transtornos do espectro autista podem ser distinguidos através de seus perfis de sintomas. O estudo envolveu 847 crianças com autismo e 158 crianças com TDAH, de 2 a 16 anos e aplicou um questionário (checklist) sobre sintomas dos transtornos do espectro autista, com 30 itens. Todas as crianças com autismo apresentaram 15 ou mais sintomas, enquanto que a média das crianças com TDAH foi de 4 sintomas. Quase todos os 30 sintomas foram encontrados em mais da metade das crianças com autismo, enquanto que nenhum sintoma estava presente na maioria das crianças com TDAH. Ao contrário, os sintomas de TDAH foram muito frequentes no autismo. Por isso, crianças com autismo podem ser erroneamente diagnosticados com TDAH. De fato, na prática clínica, as crianças eventualmente diagnosticadas com autismo muitas vezes têm um diagnóstico prévio de TDAH. Assim, é muito importante conhecer os sintomas dos transtornos do espectro autista e distingui-los dos sintomas de TDAH para melhor direcionar as estratégias de intervenção.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Depoimento de André Arroyo Ruiz, 30 anos, recentemente diagnosticado com autismo

 





“Posso ficar furioso se alguém quebra a minha confiança”


Sempre fui questionador. Em casa, virava referência sobre como operar qualquer aparelho. Na escola, era visto como a pessoa que era capaz de responder às perguntas mais difíceis. 
Hoje sou engenheiro elétrico formado pela Universidade de São Paulo (USP) e trabalho na Europa como gerente financeiro de uma grande empresa. No trabalho atual estava passando por um período difícil, em que sentia que não produzia como deveria, estava infeliz e sabia que meus chefes tampouco estavam felizes. Então procurei ajuda médica.
O diagnóstico (um grau leve dentro do espectro autista) foi sugerido há um ano, depois de alguns meses de acompanhamento psiquiátrico. A conclusão é que apresento um padrão de sintomas que se assemelha muito aos sintomas encontrados no espectro autístico. A princípio parece uma diagnóstico nada conclusivo. Depois de estudar o assunto por algum tempo, porém, entendi que ainda não há um consenso científico de o que é o autismo, então muitas áreas cinzentas surgem quando alguém apresenta os sintomas de forma mais leve. Para complicar, o grupo homogêneo mais conhecido na parte leve do espectro autístico, da síndrome de Asperger, tem características e critérios de diagnóstico muito bem definidos em crianças, porém pouco é entendido sobre como os sintomas se manifestam em adultos. O grande problema é que os critérios de diagnóstico clássicos se baseiam principalmente em deficiências de sociabilidade e comunicação. O fato de um portador não possuir uma habilidade social nata não significa que ele não possa aprender, por imitação ou tentativa e erro, como agir socialmente. E, de fato, os que têm maior capacidade cognitiva aprendem, com o passar do tempo, a imitar os comportamentos sociais esperados.
Desde não muito tempo, se sabe que o autismo não é caracterizado apenas por deficiências de comunicação e sociabilidade, mas por um quadro muito mais complexo de características, algumas das quais sempre persistirão no portador, como os diversos tipos de hipersensibilidade.
Depois de haver conversado com muitas pessoas diagnosticadas com algum tipo de autismo, descobri que tenho muito em comum com algumas delas, muito mais do que eu jamais imaginei que teria em comum com alguém. Portanto, estou certo de que, independente de critérios de diagnóstico formais, os modelos, teorias e tratamentos do autismo se aplicam a mim.
Quando pela primeira vez me disseram que eu tinha depressão, minha mãe ficou chocada. Eu, comecei a rir… Ela não me entendia, porque ela não pensa de uma forma autista, objetiva: O fato de um médico falar que eu tenho depressão não muda ou piora meu problema, porém identificar o problema como sendo algo relativamente comum e bastante estudado pode ajudar muito a achar uma solução. Por isso comecei a rir, fiquei feliz de meu problema ter um nome, de ser algo conhecido. Depois de algum tempo descobri que na verdade eu não tinha exatamente uma depressão em si, mas um sintoma associado ao autismo que pode apresentar um quadro muito parecido com depressão.
Quando o psiquiatra falou do autismo, minha reação imediata foi a mesma, fiquei feliz. Algumas horas depois, porém, comecei a pensar em toda minha infância, e a imaginar se muitos dos problemas que tive na verdade não eram tão normais e comuns quanto eu pensava, mas eram consequências do fato de eu ser “diferente”.
Não sei o quanto minha mãe já aceita a ideia, mas, a princípio, ela não acreditava no diagnóstico.
A primeira coisa que o psiquiatra notou foi a minha forma exageradamente precisa de falar, o que é um problema de comunicação, já que prezo mais a precisão que o entendimento. É comum as pessoas não entenderem os termos e conceitos que uso.
Havia outros sintomas, como minha capacidade de descrever, com precisão e riqueza de detalhes, tudo o que sentia, de sensações físicas a emocionais, e as hipersensibilidades diversas: tecidos duros ou ásperos podem me incomodar muito, comidas com certas texturas ou cheiros são insuportáveis, posso notar barulhos que ninguém mais ouve e a luz pode incomodar. A hipersensibilidade pode ser emocional também. Alterações mínimas no tom de voz de uma pessoa podem me fazer sentir como se a pessoa estivesse gritando ou brigando comigo. Entendo de forma literal muito do que escuto, ou pelo menos passa pela minha cabeça a interpretação literal como uma das possibilidades de entendimento. Nos casos mais graves de autismo, a pessoa pode ser incapaz de entender metáforas, por exemplo.
Descobri que pessoas com autismo tendem a apresentar níveis de estresse irregulares ao longo do dia, ao contrário da maioria das pessoas, que apresenta um ciclo diário bem definido de níveis de estresse, atenção e sonolência.
Tendo a pensar primeiro nas minhas vontades em situações que envolvem mais pessoas, às vezes ignorando o que pode passar pela cabeça delas ou como elas podem se sentir. Se digo a alguém que vou fazer algo, me sinto mal se os planos mudam. Ao mesmo tempo, posso ficar furioso ou muito triste se alguém quebra minha confiança (descobri que pessoas com autismo tendem a ser extremamente leais). Desde cedo mantive meus chefes informados de tudo o que descobria e, sabiamente, eles entendiam o problema e tentavam adaptar a forma de trabalhar. Para eles, assim como para mim, descobrir os problemas é a chave para poder aproveitar melhor as vantagens que minha condição proporciona. Com alguns colegas comentei sobre algumas das descobertas. É curioso que os colegas em quem também identifiquei traços de autismo, ou de algum tipo de transtorno de ansiedade, são os mais céticos: Para eles também, ser diferente é normal, e eles não querem acreditar que as minhas diferenças (e logo as diferenças deles) podem ser tão grandes que podem pertencer a algum distúrbio psiquiátrico. Nesse cepticismo, vi dois colegas que eu acreditava apresentarem depressão serem demitidos, enquanto se recusavam aceitar o problema e procurar ajuda.