Por Diego Benine
A professora
entra na sala de aula e cumprimenta seus novos pupilos. É o primeiro
dia letivo e a criançada, cheia de energia, conversa e brinca para
aliviar as expectativas. A única exceção é um garotinho sentado na
primeira fileira: calado, permanece o tempo todo com os olhos fixos em
um ponto indetectável pelos colegas de classe. Até que, durante a aula,
ele repentinamente se levanta e começa a passear pelo recinto. Ao tentar
levá-lo para a carteira onde ele estava sentado, a professora é
surpreendida com gritos, arranhões e pontapés. Em seguida, o silêncio. O
menino fecha-se novamente em seu universo particular.
Esse tipo de
comportamento é comum em portadores de autismo e acaba escondendo suas
habilidades criativas e intelectuais – as quais podem ser desenvolvidas
com acompanhamento adequado e vivência escolar. Contudo, as reações
aparentemente desconexas representam também uma das muitas dificuldades
que os educadores, pais e familiares encontram para inserir o autista na
sala de aula.
O livro
Mundo singular – entenda o autismo (Editora Fontanar)* enumera outras
características do transtorno que comprometem o aprendizado e exigem
posturas diferenciadas dos professores: dificuldades para socializar com
outras crianças; déficit de concentração e linguagem; movimentos
repetitivos (o ato de balançar o corpo ou de bater palmas, por exemplo);
hipersensibilidade aos estímulos sensoriais; interpretação literal do
que é dito, entre outros.
Quando
bem-sucedida, a inclusão escolar traz benefícios à criança e às pessoas
que convivem com ela. “Essa é a melhor forma de estimular as capacidades
do portador.
Mais informação, melhor inclusão
Além disso, as outras crianças da turma
aprendem a lidar com as diferenças e tornam- se adultos com menos
preconceitos”, explica César de Moraes, coordenador do Departamento de
Psiquiatria da Infância e Adolescência da Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP). “Devemos lembrar também o que é definido na
Constituição: todo cidadão tem direito à saúde e educação. Partindo
dessa premissa, o autista é um cidadão e o processo educacional é o
mesmo”, completa Fábio Oliveira, da Associação Brasileira de Assistência
e Desenvolvimento Social (Abads).
Para
contribuir efetivamente com esse processo, é preciso entender o que, de
fato, é o autismo. De acordo com Francisco Baptista Assumpção Júnior,
professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP),
trata-se de um transtorno de desenvolvimento de base biológica que
compromete a cognição (habilidade ligada ao aprendizado, memória,
percepção, entre outros atributos) e provoca alterações na
sociabilidade, na linguagem e na capacidade imaginativa do indivíduo.
Sua causa ainda é um mistério.
“Acredita-se
que fatores genéticos estão envolvidos, embora aspectos ambientais –
como quadros infecciosos ou traumáticos – também podem estar
relacionados. Assim, não se deve pensar em uma causa única, mas sim em
um conjunto delas, o qual ainda, infelizmente, não foi esclarecido.”
Níveis de intensidade
O autismo possui graus de intensidade.
Segundo o médico, quadros mais severos normalmente são acompanhados de
total isolamento e mutismo – o indivíduo não fala – ou de linguagem e
movimentos estereotipados intensos. “É diferente dos casos mais leves.
Nestes, as alterações no falar são sutis e envolvem, muitas vezes, uma
linguagem pedante ou a criação de neologismos (inventar palavras)”,
afirma Francisco.
O psiquiatra
César enfatiza que essa condição não deve ser confundida com retardo
mental. “De forma alguma podemos afirmar que são a mesma coisa. Apesar
da maioria dos indivíduos autistas apresentarem o retardo associado, por
volta de um quinto deles possui um nível intelectual normal”, afirma.
Sabe-se também que algumas crianças que possuem o distúrbio apresentam
habilidades extraordinárias, como memória fotográfica, aptidão para
realizar cálculos matemáticos complexos ou afinidade com instrumentos
musicais.
“Para a
inclusão acontecer, as escolas precisam de profissionais que entendam do
assunto e escolheram esse caminho” – Fábio Oliveira, educador
E as escolas, como vão?
Segundo Fábio, a inclusão só acontece
quando a família mapeia detalhadamente todos esses sintomas e informa a
instituição de ensino a respeito deles. Esta, por sua vez, deve contar
com as metodologias adequadas para ajudar a criança a suprir suas
deficiências.
Entretanto, o
desafio não está somente nas características do autista ou no diálogo
entre família e educador. A viabilização financeira dos métodos
especializados de ensino também é um problema. “Por meio deles, é
possível reduzir a incidência de comportamentos inadequados e ajudar o
autista na organização do seu dia a dia, bem como na tarefa de se
comunicar com os outros e de ingressar em qualquer espaço. No entanto,
são metodologias caras de serem implantadas”, ressalta.
Outro
empecilho no processo de inclusão é a carência de profissionais
qualificados. Francisco explica que essa afirmação não se restringe
somente aos educadores. “Ninguém está preparado. Durante o curso de
medicina, não existe uma disciplina referente à Psiquiatria Infantil.
Não existe residência específica sobre a área, que é explicada
superficialmente (quando o é) durante a formação. Nos cursos de
psicologia, ela é ministrada em disciplinas como Psicologia e
Deficiência ou Psicologia do Excepcional, as quais, muitas vezes, são
optativas e com a duração de um semestre. Dessa forma, aqueles que se
interessam vão ter de estudar e aprender por conta própria.”
Caminho possível
Este é o lema de Fábio quando o assunto é a
inclusão escolar de crianças autistas nos próximos anos. Tal otimismo é
fruto da última conquista daqueles que lutam pela causa: em dezembro do
ano passado, foi sancionada a lei que classifica o autista como
deficiente. Ela não apenas garante proteção aos direitos do portador,
como também torna sujeito à punição gestores escolares que se recusarem a
matricular indivíduos com suspeita ou diagnóstico de autismo.
Para o
pedagogo, isso representa mais do que um conjunto de benefícios legais:
“Daqui cinco anos, mais ou menos, o Brasil saberá muito mais sobre o
assunto. Será algo normatizado e bastante conhecido. Todas as escolas já
terão as metodologias, o número de profissionais especializados
crescerá e o portador será incluso, deixando de ser um mero ouvinte para
tornar-se participante.”
O que esperar de uma consulta
O autismo é identificado por meio de uma
consulta com um neuropediatra ou especialista em psiquiatria infantil. A
partir da observação dos comportamentos da criança e do histórico
familiar, o especialista já pode chegar ao diagnóstico antes que a
criança complete três anos de idade. Não existem exames laboratoriais
que possam confirmar o quadro – de acordo com Francisco, os que existem
servem apenas para verificar fatores associados que permitam supor as
causas do problema. No tocante ao tratamento, não existe um método
padrão: cada paciente recebe acompanhamento multidisciplinar conforme
suas deficiências. Em alguns casos, medicamentos são utilizados para
controlar comportamentos de agressividade, alterações no sono e outros
sintomas que atrapalham o processo de socialização.
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