“Posso ficar furioso se alguém quebra a minha confiança”
Sempre fui
questionador. Em casa, virava referência sobre como operar qualquer
aparelho. Na escola, era visto como a pessoa que era capaz de responder
às perguntas mais difíceis.
Hoje sou
engenheiro elétrico formado pela Universidade de São Paulo (USP) e
trabalho na Europa como gerente financeiro de uma grande empresa. No
trabalho atual estava passando por um período difícil, em que sentia que
não produzia como deveria, estava infeliz e sabia que meus chefes
tampouco estavam felizes. Então procurei ajuda médica.
O
diagnóstico (um grau leve dentro do espectro autista) foi sugerido há um
ano, depois de alguns meses de acompanhamento psiquiátrico. A conclusão
é que apresento um padrão de sintomas que se assemelha muito aos
sintomas encontrados no espectro autístico. A princípio parece uma
diagnóstico nada conclusivo. Depois de estudar o assunto por algum
tempo, porém, entendi que ainda não há um consenso científico de o que é
o autismo, então muitas áreas cinzentas surgem quando alguém apresenta
os sintomas de forma mais leve. Para complicar, o grupo homogêneo mais
conhecido na parte leve do espectro autístico, da síndrome de Asperger,
tem características e critérios de diagnóstico muito bem definidos em
crianças, porém pouco é entendido sobre como os sintomas se manifestam
em adultos. O grande problema é que os critérios de diagnóstico
clássicos se baseiam principalmente em deficiências de sociabilidade e
comunicação. O fato de um portador não possuir uma habilidade social
nata não significa que ele não possa aprender, por imitação ou tentativa
e erro, como agir socialmente. E, de fato, os que têm maior capacidade
cognitiva aprendem, com o passar do tempo, a imitar os comportamentos
sociais esperados.
Desde não
muito tempo, se sabe que o autismo não é caracterizado apenas por
deficiências de comunicação e sociabilidade, mas por um quadro muito
mais complexo de características, algumas das quais sempre persistirão
no portador, como os diversos tipos de hipersensibilidade.
Depois de
haver conversado com muitas pessoas diagnosticadas com algum tipo de
autismo, descobri que tenho muito em comum com algumas delas, muito mais
do que eu jamais imaginei que teria em comum com alguém. Portanto,
estou certo de que, independente de critérios de diagnóstico formais, os
modelos, teorias e tratamentos do autismo se aplicam a mim.
Quando pela
primeira vez me disseram que eu tinha depressão, minha mãe ficou
chocada. Eu, comecei a rir… Ela não me entendia, porque ela não pensa de
uma forma autista, objetiva: O fato de um médico falar que eu tenho
depressão não muda ou piora meu problema, porém identificar o problema
como sendo algo relativamente comum e bastante estudado pode ajudar
muito a achar uma solução. Por isso comecei a rir, fiquei feliz de meu
problema ter um nome, de ser algo conhecido. Depois de algum tempo
descobri que na verdade eu não tinha exatamente uma depressão em si, mas
um sintoma associado ao autismo que pode apresentar um quadro muito
parecido com depressão.
Quando o
psiquiatra falou do autismo, minha reação imediata foi a mesma, fiquei
feliz. Algumas horas depois, porém, comecei a pensar em toda minha
infância, e a imaginar se muitos dos problemas que tive na verdade não
eram tão normais e comuns quanto eu pensava, mas eram consequências do
fato de eu ser “diferente”.
Não sei o quanto minha mãe já aceita a ideia, mas, a princípio, ela não acreditava no diagnóstico.
A primeira
coisa que o psiquiatra notou foi a minha forma exageradamente precisa de
falar, o que é um problema de comunicação, já que prezo mais a precisão
que o entendimento. É comum as pessoas não entenderem os termos e
conceitos que uso.
Havia outros
sintomas, como minha capacidade de descrever, com precisão e riqueza de
detalhes, tudo o que sentia, de sensações físicas a emocionais, e as
hipersensibilidades diversas: tecidos duros ou ásperos podem me
incomodar muito, comidas com certas texturas ou cheiros são
insuportáveis, posso notar barulhos que ninguém mais ouve e a luz pode
incomodar. A hipersensibilidade pode ser emocional também. Alterações
mínimas no tom de voz de uma pessoa podem me fazer sentir como se a
pessoa estivesse gritando ou brigando comigo. Entendo de forma literal
muito do que escuto, ou pelo menos passa pela minha cabeça a
interpretação literal como uma das possibilidades de entendimento. Nos
casos mais graves de autismo, a pessoa pode ser incapaz de entender
metáforas, por exemplo.
Descobri que
pessoas com autismo tendem a apresentar níveis de estresse irregulares
ao longo do dia, ao contrário da maioria das pessoas, que apresenta um
ciclo diário bem definido de níveis de estresse, atenção e sonolência.
Tendo a
pensar primeiro nas minhas vontades em situações que envolvem mais
pessoas, às vezes ignorando o que pode passar pela cabeça delas ou como
elas podem se sentir. Se digo a alguém que vou fazer algo, me sinto mal
se os planos mudam. Ao mesmo tempo, posso ficar furioso ou muito triste
se alguém quebra minha confiança (descobri que pessoas com autismo
tendem a ser extremamente leais). Desde cedo mantive meus chefes
informados de tudo o que descobria e, sabiamente, eles entendiam o
problema e tentavam adaptar a forma de trabalhar. Para eles, assim como
para mim, descobrir os problemas é a chave para poder aproveitar melhor
as vantagens que minha condição proporciona. Com alguns colegas comentei
sobre algumas das descobertas. É curioso que os colegas em quem também
identifiquei traços de autismo, ou de algum tipo de transtorno de
ansiedade, são os mais céticos: Para eles também, ser diferente é
normal, e eles não querem acreditar que as minhas diferenças (e logo as
diferenças deles) podem ser tão grandes que podem pertencer a algum
distúrbio psiquiátrico. Nesse cepticismo, vi dois colegas que eu
acreditava apresentarem depressão serem demitidos, enquanto se recusavam
aceitar o problema e procurar ajuda.
Muito bom!
ResponderExcluirEstou com 33 anos, fui diagnosticado Asperger em 2012 e desde então minha vida mudou para melhor.
Esse relato lembra-me a mim mesmo, na riqueza dos detalhes e até na forma de apresentar tudo o que aconteceu em sua vida.
Hoje eu procuro adequar não apenas vocabulário, como também estruturas gramaticais, ao meu interlocutor e concordo plenamente que podemos aprender as respostas esperadas pela sociedade usando a lógica.
Parabéns pelo blog Nataly