Olá amigos,
essa postagem é muito importante, principalmente para os profissionais que trabalham em áreas relacionadas ao Autismo, por ter uma linguagem mais técnica. Mas é recomendável a todos.
Alterações anátomo-funcionais do sistema nervoso central no transtorno autístico: um estudo com RNM e SPECT
Marbene Guedes MachadoI; Hélio Araújo OliveiraII; Rosana CipolottiII; Clara Augusta Garcia Moreno SantosIII; Emanoella Faro de OliveiraIII; Robert Moraes DonaldIV; Miriam Peres de Oliveira KraussV
Estudo
realizado no Serviço de Neurologia do Hospital Universitário da
Universidade Federal de Sergipe (HU-UFS) Aracaju SE, Brasil
INeuropediatra do Hospital Universitário
IIDocente do Departamento de Medicina
IIIDiscente do Curso de Medicina
IVImaginologista do Serviço de Medicina Nuclear (CLIMEDI)
VImaginologista do Serviço de Ressonância Nuclear Magnética ( DIAGNOSIS)
INeuropediatra do Hospital Universitário
IIDocente do Departamento de Medicina
IIIDiscente do Curso de Medicina
IVImaginologista do Serviço de Medicina Nuclear (CLIMEDI)
VImaginologista do Serviço de Ressonância Nuclear Magnética ( DIAGNOSIS)
RESUMO
Apresentamos
um estudo das alterações anátomo-funcionais do sistema nervoso
central (SNC) de pacientes com transtorno autístico (TA), através da
ressonância nuclear magnética (RNM) e da tomografia computadorizada
por emissão de fóton único (SPECT). Foram estudados 24 pacientes,
sendo 15 (62,5%) do sexo masculino e 9 (17,5%) do feminino, com idade
média de 9 anos. Todos os pacientes foram submetidos à RNM e apenas
em 19 foi realizado o SPECT. Dos pacientes que realizaram RNM, 75%
apresentaram alterações anatômicas e dos que realizaram o SPECT todos
apresentaram alterações funcionais. As alterações anatômicas estavam
preferencialmente localizadas no corpo caloso (25%), septo pelúcido
(15,63%), ventrículos cerebrais (12,55%), cerebelo (9,38%), lobo
temporal (6,25%), lobo occipital (6,25%) e hipocampo (6,25%). As
alterações funcionais predominaram no lobo frontal (53,13%), lobo
temporal (28,13%) , lobo parietal (15,63%) e nos núcleos da base
(3,13%). A presença de alterações anátomo-funcionais do SNC não são
prioritárias para o diagnóstico, o qual deve ter sempre uma validação
clínica.
Palavras-chave: autismo, RNM, SPECT.
O
transtorno autístico (TA), nomenclatura consonante com a tendência
atual, é a patologia mais conhecida dentre as desordens
neuropsiquiátricas, as quais afetam aproximadamente 1:500 crianças1.
Atualmente esse transtorno é cinco vezes mais comum que a síndrome
de Down e três vezes mais frequente que a diabetes juvenil2.
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS) através da 10ª
revisão (CID 10), essa enfermidade, classificada no subgrupo
denominado ''transtornos invasivos do desenvolvimento'', é caracterizada
pela presença de desenvolvimento anormal e/ou comprometido que se
manifesta antes da idade de três anos e pelo tipo característico de
funcionamento anormal em todas as três áreas de interação social,
comunicação e comportamento restritivo repetitivo. Convém ressaltar
que, embora em algumas crianças autistas esses sinais e sintomas
sejam severos ou moderados e instáveis, há também aquelas que
manifestam apenas alguns deles3.
Devido
a essa diversidade no quadro clínico, associada ao fato de que
nenhum dos aspectos supracitados por si só é exclusivo desse
transtorno, o diagnóstico é frequentemente confundido ou ignorado.
Apesar de todo o avanço científico, o diagnóstico continua sendo
exclusivamente clínico, visto que ainda não existem exames
complementares que possam, validá-lo. Entretanto, em alguns estudos, o
uso da ressonância nuclear magnética (RNM) e da tomografia
computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) permitiu que
alterações anátomo-funcionais fossem detectadas e a partir desses
achados, tentou-se correlacioná-los com o quadro clínico dos
portadores de TA, apesar da existência de autores que negam o fato de
haver uma correlação entre o quadro clínico e os resultados da
investigação por imagem.
Diante
dessas inúmeras discrepâncias quanto à existência e a localização de
alterações anatômicas e funcionais do sistema nervoso central (SNC)
de portadores do TA e da ausência de um estudo similar na literatura
nacional, propusemos a realização deste trabalho.
MÉTODO
Foram
examinadas 24 crianças de 0 a 19 anos de idade, com diagnóstico
clínico de TA firmado pelo mesmo neuropediatra, segundo critérios
preconizados pelo CID 10, após a exclusão daquelas com outras
patologias crônicas.Todos os responsáveis legais pelos pacientes
selecionados assinaram um Termo de Consentimento Informado. O
protocolo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital
Universitário da UFS.
Os
pacientes selecionados eram provenientes do Ambulatório de
Neuropediatria do Hospital Universitário da UFS, do Centro de Referência
de Educação Especial de Sergipe (CREESE), da Clínica de
Reabilitação Infantil de Aracaju (CREIA) e da Associação de Amigos
dos Autistas de Sergipe (AMAS). Dos 24 pacientes selecionados, todos
se submeteram a RNM e 19 ao SPECT, cuja interpretação foi realizada
sempre pelo mesmo imaginologista, respectivamente.
Os
exames de RNM foram realizados em aparelho da marca General Eletric,
modelo Sigma Horizon LX - 1,0 tesla - GE. Foram obtidas imagens nos
planos axial e coronal nas sequências SE ponderada em T1 (TR: 516, TE:
16, FOV: 22X22); FSE ponderada em T2 (TR: 4000, TE: 90, FOV: 22X22);
sequência ''FLAIR'' (TR: 8002, TE: 93, FOV: 22X22); STIR (TR: 5300,
TE:32, FOV: 22X22). A espessura dos cortes foi 5mm, com 2mm de
espaçamento, exceto na sequência ''STIR'', na qual utilizamos 3mm de
espessura e 1 mm de espaçamento. Em todos os pacientes foi utilizado
anestesia inalatória com halotano e o contraste paramagnético apenas
quando havia suspeita da existência de malformação artériovenosa
(MAV). Os exames de SPECT foram realizados em um aparelho Gamacâmara
GE Apex SPx - 6; Colimador Fan-Beam e Filtro Metz – 12. O
radiofármaco utilizado foi o tecnécio – 99m marcando ECD
(Etilenodicisteína dietil éster), na dose de 20-30mCi.
RESULTADOS
Os
pacientes estudados (n=24), tinham média de idade de 9 anos (0-19
anos), dos quais 15 (62,5%) eram do sexo masculino e 9 (37,5%) do
feminino. Todos os pacientes estudados foram submetidos a RNM, dentre
as quais 18 (75%) apresentaram anormalidades anatômicas. Verificou-se
que 25% das anormalidades anatômicas foram detectadas no corpo caloso,
correspondendo a: afilamento da porção posterior do corpo caloso
(n = 2);hipogenesia global do corpo caloso (n = 2); hipogenesia do
esplênio do corpo caloso (n = 1); agenesia do corpo caloso (n = 1) (Fig 1 - A).
No septo pelúcido verificou-se 15,62% das anormalidades anatômicas
correspondendo a: persistência do cavum do septo pelucido e sua
continuidade com o cavum Vergae (n = 5). Nos ventrículos
intracranianos foi encontrado 12,55% das anormalidades anatômicas,
correspondendo a:extensão superior do terceiro ventrículo (n =
1);prolongamento temporal do ventrículo lateral direito (n =
1);dilatação bilateral dos ventrículos laterais (n = 1 ) ;
alargamento do quarto ventrículo (n = 1). No cerebelo foi encontrado
9,38% das anormalidades anatômicas, correspondendo a: hipoplasia do
vermis cerebelar (n = 2) (Fig 1 –B);
redução do voluma cerebelar (n = 1). No lobo temporal foi encontrado
6,25% das anormalidades anatômicas correspondendo a presença de
cisto aracnóide na fossa temporal (n = 2). No lobo occipital foi
constatado 6,25% das anormalidades anatômicas, correspondendo
a:displasia cortical bilateral (n = 1); polimicrogiria bilateral (n =
1). No hipocampo foi encontrado 6,25% das anormalidades anatômicas
correspondendo a: inversão incompleta hipocampal temporo-mesial (n =
1); redução do volume do hipocampo bilateral (n = 1).
Quanto
ao SPECT, só 19 (79,16%) dos pacientes estudados realizaram este
exame e em todos encontramos alterações funcionais. Verificou-se que
53,13% das anormalidades funcionais estavam localizadas no lobo
frontal correspondendo a: hipoconcentração do radio fármaco no córtex
frontal esquerdo (n = 7) (Fig 2-A);
hipoconcentração do radio fármaco no córtex frontal bilateral (n = 4
); hipoconcentração do radio fármaco no córtex param mediano
esquerdo (n = 2); hipoconcentração do radio fármaco na região órbito
frontal bilateral (n = 1); hipoconcentração do radio fármaco no
córtex frontal paramediano direito (n = 1). No lobo temporal
verificou-se 28,13% das anormalidades funcionais correspondendo a:
hipoconcentração do radio fármaco no lobo temporal esquerdo (n = 6);
hipoconcentração do radio fármaco no lobo temporal bilateral (n = 2).
No lobo parietal foi encontrado 15,63% das anormalidades funcionais
correspondendo a: hipoconcentração do radio fármaco no córtex
parietal esquerdo (n = 1); hipoconcentração do radio fármaco no
córtex bilateral (n = 1).Nos núcleos da base verificou-se 3,13 das
anormalidades funcionais correspondendo a hipoconcentração do radio
fármaco nos núcleos da base (n = 1) associado a hipoconcentração no
córtex frontal e temporal 9 (Fig 2-B).
DISCUSSÃO
Em muitos estudos, as anormalidades anatômicas cerebelares são as mais relatadas4-15. Dentre estas, as mais frequentes são a hipoplasia e / ou hiperplasia do vérmis cerebelar7,8,10,12,14,16, apesar de alguns autores questionarem a presença destas alterações8,10,17.
Com relação às alterações cerebrais, há relatos da existência de
várias anormalidades, tais como o aumento da espessura do córtex do
lobo frontal4, dos lobos temporais, parietais e occipital18 e a hipoplasia dos hemisférios cerebrais19. Novamente, encontramos achados divergentes quanto à presença dessas alterações10,18. Na literatura pertinente, encontramos ainda a descrição de alterações do corpo caloso; do IV ventrículo13,15,20,21;
das olivas bulbares; do hipocampo e do giro cíngulo. Como se trata
de um assunto bastante controvertido, encontramos autores que refutam
a idéia da existência de quaisquer alterações anatômicas do SNC em
pacientes com TA21. Em nosso estudo, encontramos a presença de alterações anatômicas em 75% dos casos estudados.
Diante
dos resultados obtidos, verificamos a existência de inúmeras
alterações detectadas em nosso estudo já relatadas e destas, a
maioria são consonantes, algumas divergentes, outras concordantes e
divergentes com a literatura atual. A discreta redução dos volumes de
ambos hipocampos2; o afilamento da porção posterior do corpo do corpo caloso18,14,20; a hipogenesia global do corpo caloso18,20; a hipogenesia do esplênio do corpo caloso12,14,15,18,20; a discreta dilatação dos ventrículos laterais14;
a polimicrogiria occipital bilateral foram encontradas em nossos
resultados, tornando-se concordantes com a literatura . As alterações
cerebelares como a redução de volume e o alargamento do IV
ventrículo, encontradas em nosso estudo têm sido ponto de divergência
entre os autores21,22. As alterações do volume cerebral, para mais ou para menos, têm sido relatadas6,10,16,23.
No nosso estudo, constatamos a presença de redução de volume
cerebral às custas da atrofia do lobo frontal e da região
fronto-temporal.
Existem
anormalidades detectadas em nosso estudo e que não estão relatadas
na literatura: inversão incompleta hipocampal têmporo-mesial;
angulação anterior do esplênio do corpo caloso; agenesia do corpo
caloso; eversão do giro cíngulo; discreto predomínio do prolongamento
temporal do ventrículo lateral direito; presença de cistos
aracnóides na fossa temporal; persistência do cavum do septo pelúcido
e sua continuidade com o cavum Vergae; extensão superior do terceiro
ventrículo; displasia cortical occipital bilateral e hidrocefalia
supra-tentorial moderada.
Ao
contrário da grande variedade de alterações detectadas através da
RNM, os estudos realizados em paciente com TA pelo SPECT, têm
demonstrado menor diversidade de anormalidades funcionais do SNC. A
diminuição da perfusão sanguínea no hemisfério cerebelar, no tálamo e
nos gânglios da base já foi demonstrada21. Há registros
de que, em pacientes portadores de TA, com RNM normal, essa
diminuição na perfusão, é mais encontrada nos hemisférios cerebelares
e no tálamo e menos comuns nos gânglios da base, nas regiões
posteriores do lobo parietal e nas regiões temporais21,22.
Alguns
pesquisadores também têm relatado a presença de fluxo sanguíneo
cerebral (FSC) significantemente diminuído em ambas áreas
látero-temporal e dorso-médio-lateral-frontal do hemisfério direito,
tendo o hemisfério cerebral esquerdo aumento do FSC quando comparado24.
Esta diminuição do fluxo tende estar mais presente nos pacientes
entre 3 e 4 anos de idade, com tendência à normalização quando os
mesmos atingem 6 a 7 anos de idade25.
De
acordo com os resultados obtidos, a maioria das alterações
funcionais detectadas em nosso estudo já foram relatadas na
literatura. A hipoconcentração do radiofármaco no córtex frontal
direito paramediano24; no lobo parietal esquerdo24,26; bilateralmente, nos lobos parietais, principalmente no lado esquerdo24,26; em lobo temporal esquerdo24,26; bilateralmente nos lobos temporais24,26; e nos núcleos da base22
foram achados do nosso estudo e também estão relatados em outros
trabalhos. Das alterações de perfusão que ainda não foram descritas
encontramos: hipoconcentração de radiofármaco nas seguintes regiões:
órbito-frontal bilateral; dorso-frontal paramediano esquerdo;
dorso-frontal bilateralmente; córtex frontal anterior e na região
medial do córtex temporal direito.
Os
dados obtidos permitem concluir que as alterações anátomo-funcionais
estão presentes na maioria dos pacientes com TA estudados. Dentre as
alterações anatômicas, as mais frequentes foram a persistência do
cavum do septo pelúcido e sua continuidade com o cavum Vergae; a
angulação anterior do esplênio do corpo caloso; o afilamento da
porção posterior do corpo caloso e a hipogenesia global do corpo
caloso, sendo portanto, o corpo caloso o local de maior ocorrência
dessas alterações. Dentre as alterações funcionais, as mais
frequentes foram a hipoconcentração do radiofármaco no córtex frontal
esquerdo e no lobo temporal esquerdo. Apesar da presença dessas
alterações anátomo-funcionais serem frequentes, não podemos firmar o
diagnóstico de TA, baseado nos exames complementares uma vez que o
quadro clínico nunca está relacionado totalmente com essas
alterações. Por tanto, o diagnóstico de TA continua sendo
prioritariamente clínico.
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Esses exames continuam confundindo causa e efeito: as alterações encontradas no cérebro de autistas não são a causa do transtorno, mas o efeito que o transtorno produz nas diversas áreas cerebrais. É de supor que a maior incidência esteja no corpo caloso: é ele que faz a ligação entre os dois hemisférios e, como o autista usa preferencialmente o hemisfério esquerdo, a comunicação com o direito é muito pequena. Qualquer pesquisador sabe que a área cerebral de um sujeito pode determinar suas ações mais (e menos) utilizadas: o crescimento de uma área quer dizer que é mais utilizada,e denunciar se o sujeito é um físico nuclear ou um poeta. Quer dizer: o estudo está correto, apenas não atinou para o fato de estar vendo o efeito do autismo no sistema nervoso central, não propiamente sua causa.
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